sexta-feira, 18 de março de 2011

Brida caminhou em direção ao Mago. Os dois se encontraram perto da fogueira. As palavras eram difíceis.
Foi ela quem quebrou o silêncio.
– Temos o mesmo caminho.
Ele fez que sim com a cabeça.
– Então vamos segui-lo juntos.
– Mas você não me ama – disse o Mago.
– Eu te amo. Ainda não conheço o meu amor por você – mas te amo. Você é a minha Outra Parte.
O olhar do Mago, porém, estava distante. Lembrava-se da Tradição do Sol, e uma das mais importantes lições da Tradição do Sol era o Amor. O amor era a única ponte entre o invisível e o visível que todas as pessoas conheciam. Era a única linguagem eficiente para traduzir as lições que o Universo todo dia ensinava aos seres humanos.
– Não vou embora – disse ela. – Fico com você.
– Seu namorado está esperando – respondeu o Mago. – Eu abençoarei o amor de vocês.
Brida olhou-o sem entender.
– Ninguém pode possuir um nascer do sol como aquele que vimos uma tarde – continuou. – Assim como ninguém pode possuir uma tarde com a chuva batendo na vidraça, ou a serenidade que uma criança dormindo espalha ao seu redor, ou o momento mágico das ondas quebrando nas rochas. Ninguém pode possuir o que existe de mais belo na Terra – mas podemos conhecer e amar. Através destes momentos, Deus se mostra aos homens.
“Não somos donos do sol, nem da tarde, nem das ondas, nem sequer da visão de Deus – porque não podemos possuir a nós mesmos.”
O Mago estendeu a mão para Brida, e entregou-lhe uma flor.
– Quando nos conhecemos – e parece que eu sempre conheci você, porque não consigo lembrar como era o mundo antes – mostrei-lhe a Noite Escura. Queria ver como você enfrentava seus próprios limites. Já sabia que estava diante de minha Outra Parte, e esta Outra Parte ia me ensinar tudo que eu precisava aprender – foi para isto que Deus dividiu o homem e a mulher.
Brida tocava a flor. Era a primeira flor que via em muitos meses. A primavera havia chegado.
– As pessoas dão flores de presente porque nas flores está o verdadeiro sentido do Amor. Quem tentar possuir uma flor, verá a sua beleza murchando. Mas quem apenas olhar uma flor num campo, permanecerá para sempre com ela. Porque ela combina com a tarde, com o pôr-do-sol, com o cheiro de terra molhada e com as nuvens no horizonte.
Brida olhava a flor. O Mago tornou a pegá-la e a devolveu para a floresta.
Os olhos de Brida encheram-se de lágrimas. Tinha orgulho de sua Outra Parte.
– Isto a floresta me ensinou. Que você nunca será minha, e por isso terei você para sempre. Você foi a esperança dos meus dias de solidão, a angústia dos meus momentos de dúvida, a certeza de meus instantes de fé.
“Porque eu sabia que minha Outra Parte ia chegar um dia, me dediquei a aprender a Tradição do Sol. Apenas por ter certeza de sua existência é que continuei existindo.”
Brida não conseguia esconder as lágrimas.
– Então você veio, e entendi tudo isto. Você chegou para me libertar da escravidão que eu mesmo havia criado, para dizer que eu estava livre – podia voltar ao mundo e às coisas do mundo. Eu entendi tudo que precisava saber, e te amo mais do que todas as mulheres que conheci na minha vida, mais do que amei a mulher que me desviou, sem querer, para a floresta. Vou me lembrar sempre que o amor é a liberdade. Esta foi a lição que demorei tantos anos para aprender.
“Esta foi a lição que me exilou, e que agora me liberta.”
As chamas crepitavam na fogueira, e alguns convidados retardatários começavam a se despedir. Mas Brida não escutava nada do que estava acontecendo.
– Brida! – ela ouviu uma voz distante.
– Ele está olhando para você, garota – disse o Mago. Era a frase de um velho filme que assistira. Estava alegre, porque havia virado mais uma página importante da Tradição do Sol. Sentiu a presença de seu Mestre – ele havia escolhido também esta noite para sua nova Iniciação.
“A vida inteira eu me lembrarei de você, e você se lembrará de mim. Assim como nos lembraremos do entardecer, das janelas com chuva, das coisas que teremos sempre porque não podemos possuir.”
– Brida! – tornou a chamar Lorens.
– Vá em paz – disse o Mago. – E enxugue estas lágrimas. Ou diga que foram as cinzas da fogueira.
“Não me esqueça nunca.”

Brida - Paulo Coelho

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